A partir da fabricação de produtos
sustentáveis que não geram resíduos - pelo contrário, têm em
materiais que poderiam ser considerados lixo um diferencial de
matéria-prima - pequenas empresas brasileiras estão
conseguindo abrir caminho no mercado internacional. Exemplos
desse novo segmento são os artefatos de fibra de coco verde
que saem de uma pequena fábrica no subúrbio do Rio e das
velas, com ação repelente de andiroba, produzidas na Região
Serrana do Estado. Na Região Norte, comunidades de pescadores
estão sendo preparadas pelo Projeto Focos, do WWF-Brasil, para
agregar valor ao pescado tirado de rios locais e transformando
pele, escamas e ossos de peixes em peças artesanais, que estão
atraindo a atenção de turistas estrangeiros.
Das mãos
de 60 funcionários recrutados na periferia de Jardim América
pelo Projeto Coco Verde do Rio de Janeiro, o equivalente a 20
toneladas diárias de coco verde, que deixam de ser jogadas no
lixo, se transformam em vasos, placas para painéis,
divisórias, biombos, além de outras utilidades ditadas,
principalmente, pela imaginação de paisagistas e decoradores.
Essas peças de fibra natural já caíram no gosto de
consumidores da Argentina, Coréia, Espanha e Portugal, para
onde são vendidos 60% da produção.
O gerente de
Projetos e Negócios da Coco Verde, Philippe Mayer, contou que
tudo começou com a busca de solução para o resíduo pós-consumo
da água de coco verde no Rio, mercado onde a empresa chegou a
se posicionar como a maior distribuidora, até ser ultrapassada
pelo inchaço desse segmento.
difíceis passos da
inovação tecnológica Na reciclagem
Do desenvolvimento
de um equipamento desintegrador das cascas de coco verde, há
cinco anos, até atingir o patamar atual de reciclagem, Mayer
ressaltou que foram enfrentadas muitas dificuldades. A empresa
que ele chama de laboratório quase fechou as portas. Não
chegou a sucumbir, porque, depois de muitos testes e
pesquisas, conseguiu desenvolver um produto com know-how, que
o gerente afirmou ser único no mundo, para o aproveitamento da
fibra como matéria-prima em diferentes aplicações. A patente
foi registrada, há pouco mais de dois anos, e a partir de
então o projeto vem ganhando repercussão
internacional.
Atualmente, os principais compradores
atuam no ramo de paisagismo. Depois de se aproximar dos
negócios de decoração, a idéia é deslanchar gradativamente a
produção para ampliar a penetração nos segmentos de mobiliário
e, principalmente, placas acústicas.
A empresa tem
buscado parcerias e está disposta a atuar com cooperativas da
capital e de cidades do interior fluminense, entrando com a
tecnologia para aproveitamento da fibra e garantindo a compra
total da matéria-prima. O gerente contou que não consegue
captar os resíduos gerados no Rio, embora pelo conhecimento do
mercado, estime que o consumo local de coco verde seja de 400
toneladas diárias. Por causa disso, tem que buscar fibra em
Estados do Nordeste.
O gerente ressaltou que além da
geração de empregos e da redução da produção de lixo urbano,
outra característica positiva das peças de fibra de coco verde
que saem dos galpões da empresa é de substituir naturalmente o
uso vasos, placas e outros produtos de xaxim, feitos de
material retirado do tronco de uma planta da Mata Atlântica
conhecida por samambaiaçu, cujo aproveitamento como
matéria-prima é proibido por lei porque essa é uma espécie
ameaçada de extinção.
A empresa Natu Science,
atualmente instalada em Itaipava, Região Serrana, começou, há
cinco anos, a fabricação de velas de andiroba, extraída de
forma sustentável por 300 integrantes de cooperativas de
comunidades indígenas da Amazônia. O trabalho conta com a
parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), já que a planta
tem ação repelente comprovada contra o mosquito transmissor da
dengue e outros insetos.
da planta andiroba,
resíduos são totalmente aproveitados
A diretora de
Marketing do empreendimento, Regina de Castro, destacou que da
produção nada se perde, porque a empresa tem um projeto
chamado Resíduo Zero, que busca alternativa para qualquer
sobra. Do equivalente a 100 mil velas são gerados resíduos que
se transformam em 22 mil tochas de andiroba. Por sua vez, tudo
que não é aproveitado nesse segmento segue para a linha de
produção de toquinhos, usados como acendedores naturais de
lareiras, ao quais são acrescentadas folhas de alecrim e
outras ervas aromáticas.
Esses produtos são exportados,
há dois anos, para a França, onde a rede de 150 lojas de
produtos sustentáveis do grupo Natureetdecouverts faz as
revendas. A partir deste mês, a empresa começará as vendas
externas de cosméticos de andiroba para países da
Escandinávia. Nos mercados interno e externo, será lançada uma
linha de nove itens incluindo shampoo, sabonete, hidratante e
outros derivados, que estão sendo fabricados em parceria com
um laboratório de Minas Gerais. Somando as duas iniciativas
são gerados 40 empregos diretos.
Regina informou que já
está em curso um projeto para a produção de papel artesanal, a
partir dos resíduos da produção de cosméticos por comunidades
locais.
Nos próximos três anos, o WWF-Brasil estará
desenvolvendo, junto a comunidades de pescadores de Corumbá,
Coxim e Miranda, em Mato Grosso do Sul, o Projeto
Fortalecimento Comunitário Sustentável (Focos), que visa à
capacitação de moradores para a melhoria da renda e qualidade
de vida, a partir do uso sustentável da atividade pesqueira,
da qual nem o couro, os ossos e as escamas dos peixes são
jogados fora. Esses materiais já estão sendo transformados em
mantas, bijuterias e outros objetos, que estão encantando os
turistas estrangeiros.
O coordenador do projeto Focos,
Eduardo Mongelli, informou que, a partir do objetivo de
agregar valor à atividade pesqueira, as comunidades que já
foram estimuladas a se organizar em associções, serão
alfabetizadas e capacitadas a gerir seus próprios negócios.
Parceiros, como a Universidade Católica de Campo Grande, vão
ajudar a impulsionar as atividades desses grupos. A instiuição
já encomendou capas de couro de peixes para cobrir as agendas
que serão distribuídas no final deste ano.
Além de
encomendas de outros segmentos, os envolvidos no projeto estão
otimistas com uma pesquisa sobre o aproveitamento de corantes
naturais para o curtimento do couro dos peixes pelas
comunidades. A proposta é da Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul com parceiros, como o Ibama, a Embrapa e outras
instituições.
- Estamos satisfeitos com o resultado das
atividades iniciais e com o nível de participação das
comunidades. Elas já reconhecem o potencial que têm - observa
Mongelli.